Timeline Perfeita

Por Leonardo Costa

As tecnologias digitais, com a propagação das selfies, ajudaram a construir uma imagem do Eu a partir da espetacularização de opiniões e desejos.

Nunca estivemos tão conectados e preocupados em compartilhar os acontecimentos em nossas vidas como nos dias atuais. Uma nova aquisição, a superação de um obstáculo, conquistas, encontros com os amigos, um abraço com a pessoa amada ou o simples fato de estar em algum lugar. A pauta nas redes sociais é extensa. A exaltação do Eu e a preocupação exagerada da autoimagem também não fica de fora. E, isso pode causar algumas consequências.

Espelho, espelho meu
Espelho, espelho meu, existe alguém mais bonito do que eu? Com certeza sim, responderia o espelho ao ver as selfies publicadas na timeline de diversas celebridades e usuários digitais. O aplicativo Instagram, que é uma rede social digital online, disponibiliza a possibilidade de compartilhar fotos e vídeos entre os usuários. Além de multiplicar o compartilhamento em outras redes sociais como Facebook, Twitter, Tumblr e Flickr, ela também permite a utilização de filtros automáticos digitais nas imagens.

Alguns filtros são engraçados e muito divertidos, mas outros nos ajudam a esconder um ou mais detalhes que não gostamos em nossa aparência. Podemos ficar mais bronzeados, pálidos, sem rugas e particularidades da pele, que não gostaríamos que fizessem parte da nossa realidade. É comum encontrarmos aplicativos disponíveis para o aperfeiçoamento da nossa imagem, com a aplicação de músculos, maquiagem e até mudar a cor dos cabelos. E, este é o ponto. Como controlar o limite das alterações, ao ponto de não deixá-la construir outra realidade?

Nas redes sociais é como se os problemas não existissem, todos fossem mais felizes, os relacionamentos mais apaixonados e todos praticassem alguma atividade física, assiduamente.”

Instagram
Em uma pesquisa feita pela empresa Opinion Box, o Instagram foi eleito como a rede social digital preferida, com mais de 800 milhões de usuários. 25% dos internautas entrevistados diz que ele é sua rede social mais utilizada. O uso da plataforma vem crescendo progressivamente.

O índice de utilização diária do aplicativo e a frequência dos usuários na timeline são consideradas altas. Segundo a pesquisa, 89% dos entrevistados checam o seu instagram uma vez por dia e 63% tem o hábito de conferir as postagens na timeline várias vezes por dia. Entre os jovens de 19 e 29 anos, o percentual aumenta para 73,5%.

Dos 2.538 entrevistados pelo Brasil, as atividades mais registradas no aplicativo é ficar de olho e curtir as fotos e vídeos dos amigos (84%), além de acompanhar as empresas, celebridades e influenciadores digitais (51%). A influência digital é forte entre os usuários. Mais de 40% deles afirmaram ter experimentado alguma novidade indicada pelos influenciadores. É possível passar minutos e até mesmo horas visualizando as postagens de quem nós seguimos e temos interesse no conteúdo.

Selfie x Narcisismo
Narciso é um personagem da mitologia grega bem famoso, sendo muito citado nas áreas de psicologia e filosofia. Segundo o mito, Narciso era muito belo e ao nascer, um oráculo disse que ele seria muito atraente e que teria uma vida longa. Mas, ele nunca deveria admirar a sua beleza, pois isso amaldiçoaria a sua vida. Já adulto, ao ver sua imagem refletida em um lago, se apaixonou e ali ficou a se admirar, definhando até a morte.

A selfie, registro digital, em que a pessoa tira uma foto de si mesmo ou em um grupo pode ser um termômetro para a medição deste fenômeno narcisista. Ao acionarmos a câmera frontal dos smartphones que utilizam a plataforma Android, automaticamente o aparelho reconhece a ação como selfie e já nos oferece a possibilidade de modificação pelos filtros digitais, como: tom de pele, rosto fino e olhos grandes.

Pode não parecer grande coisa, mas são capazes de modificar pequenos detalhes que podem fazer toda a diferença no inconsciente coletivo. Quando fazemos uma selfie, qual é a nossa real intensão? Estaríamos em uma era narcisista? Segundo o erudito chinês Lao Zi, “não procure se exibir! A pessoa sábia que conhece a sua essência superior não se entrega ao narcisismo nem se enaltece”.

Teria o conto de narciso se multiplicado pelas redes sociais digitais? Na psicologia, narcisismo é o nome do transtorno de personalidade, que está associado ao mito de Narciso. Seria aquela pessoa que se preocupa excessivamente com si próprio e com a sua imagem. Essa vaidade e admiração excessiva, quando fora de controle, pode gerar outros tipos de problemas. A necessidade de ser admirado ou que a sua presença não passe despercebida pelas redes sociais podem ser um deles.

Show do EU
A escritora e professora, Paula Sibilia tem uma opinião teórica bem interessante sobre a espetacularização de nós mesmos. Ela chama de “show do Eu” ou conhecido também como o narcisismo digital. Segundo a escritora, as tecnologias digitais ajudaram na intensificação e potencialização desta espetacularização. Paula Sibilia traz uma reflexão sobre os motivos que transformaram questões privadas (particulares) em um espetáculo digital.

“O Eu está muito presente, de forma inflacionada”, explica a escritora, em entrevista ao programa Trilha de Letras da TvBrasil. As selfies servem como instrumento de análise para estudarmos as características de transição do “Eu destacado” para o “Show do Eu”. Onde ele se importa em ser visto e compartilhar opiniões e desejos.

Porém só alguns se destacam e merecem, pelo reconhecimento dos seguidores, ter este espaço público tão batalhado pelos influenciadores digitais. Ao ponto de estranharmos quando alguém não tem o perfil em alguma rede social, como se o mundo só existisse a partir da perspectiva digital. A importância da espetacularização não estaria somente em se mostrar, mas na quantidade, no público que está seguindo, curtindo e compartilhando.

Outra questão de destaque, relacionada ao conceito do “Show” é a forma que a pessoa se mostra. Considerada pela escritora como uma curadoria, “onde há todo um trabalho como se mostrar da melhor maneira possível”. Não é necessariamente se mostrar a partir de uma mentira, mas com a preocupação de melhor repercussão. Ou seja, uma obrigação de compor a sua imagem pela expectativa do outro.

Segundo a escritora, antropologicamente, sempre precisamos do outro. Por sermos considerados como seres sociais, nos construímos pelo convívio. Mas, ao longo dos últimos anos ela tem percebido uma transformação que enfatiza cada vez mais o que se vê. Ou seja, estamos valorizando a imagem. E, que por mais que tenhamos tentado controlar e construir esta autoimagem, não conseguimos garantir que ela será lida desta forma pelo outro.

Outra pesquisa muito interessante feita pela Universidade do Estado de Ohio, nos Estados Unidos, fez algumas descobertas sobre as selfies. Pela análise do perfil das pessoas que praticam este registro, conseguiram identificar traços narcisistas e psicopáticos, além de constatarem que os comentários positivos ainda podem ajudar a construir uma autoestima elevada de forma artificial, baseada na opinião do outro.

Utopia
Nas redes sociais é como se os problemas não existissem, todos fossem mais felizes, os relacionamentos mais apaixonados e todos praticassem alguma atividade física, assiduamente. Não que tenhamos o dever de compartilhar os problemas, mas é preciso que tenhamos a consciência de que nada é perfeito e que a realidade é muito mais além da vida digital. Se fossemos analisar a sua última selfie, o que ela nos diria?

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